E os economistas negros?
- PET Economia UFAL
- 22 de dez. de 2020
- 12 min de leitura

A atividade realizada pelo PET Economia UFAL, “Vitrine Econômica”, teria por finalidade expor a contribuição de escolas econômicas desconhecidas ou pouco estudadas dentro da graduação para o pensamento econômico. Este trabalho já contou com as escolas alemãs, austríacas, asiática, dentre outros economistas que apareceram nas pesquisas do grupo. Em mais um ciclo de pesquisas para a realização à Vitrine, nós, membros do PET decidimos por tocar em um ponto pouco explorado pelo grupo, os economistas negros.
Em maio de 2019, aproveitando o mês que marcou os 131 anos de abolição da escravatura no Brasil, realizamos a atividade com o tema “negritude na economia”, em que apresentamos o economista Arthur Lewis, primeiro e único negro a ser laureado com o Prêmio Nobel de Economia, em 1979; Ngozi Okonjo-Iweala, primeira mulher Ministra da Fazenda da Nigéria; Kofi Annan, laureado com o Prêmio Nobel da Paz, em 2001.
Observe que os dois últimos nomes se destacaram por seus trabalhos públicos, mas não por cunharem uma teoria econômica ou figurarem como autores de referência nos cursos de Ciências Econômicas.
Nesta nova edição, ao iniciarmos as pesquisas, encontramos poucos materiais relevantes de economistas negros e a inexistência de uma escola econômica de origem africana. Sendo assim, a vitrine econômica deste mês terá um teor um pouco diferente das outras. No lugar de apresentarmos economistas e seus estudos, vamos expor estudos e explicações para a ausência do público negro dentro da história do pensamento econômico.
O início da economia se deu em tempos difíceis
É do conhecimento geral de todo estudante de Ciências Econômicas que o seu curso só existe devido aos estudos escocês Adam Smith. Foi em meados do século XVIII que Smith originou suas primeiras teses sobre a dinâmica das relações comerciais, famosas até hoje, dando início à Economia Clássica. Em seguida outros nomes importantes surgiram na mesma linha de pensamento como os europeus Ricardo, Say, Stuart, Malthus.
Durante todo este processo de firmamento e desenvolvimento da Economia como matéria, como se encontrava a população negra e de origem africana? Para o bom estudante de história esta resposta é um pouco óbvia. Neste período a relação de domínio do continente europeu com todo o planeta, em especial com a África, era evidente e a comercialização de escravos estava ainda no começo do seu declínio. Desse modo, além de não haver incentivo para o trabalho intelectual em decorrência da suposta “supremacia do homem branco” e de ter sua liberdade roubada e usada apenas como força de trabalho braçal, o início do trabalho econômico é marcado por se tornar um mecanismo de poder onde foi produzida por homens brancos de classes altas e estavam nos grandes centros do capitalismo mundial.
O processo de libertação
Após séculos de servidão imposta a força, o processo de libertação vai começar apenas em 1792, quando a Dinamarca dá o primeiro passo para a libertação do povo negro, mesmo oficializando 11 anos depois ao criar a lei de abolição. Nas Américas, destino da maior parte de negros escravizados, o Haiti foi quem tomou a iniciativa para a abolir a escravatura, em 1793, movimento que durou 95 anos até que todos os países americanos alforriassem todos os seus escravos. Mas os séculos de escravidão deixaram lacunas gritantes na história da humanidade e apenas a libertação não viria a preenche-las.
Após ter a condição de liberdade concedida, a próxima etapa seria dar condições à esta parcela da população para que seja inserida na sociedade. Mas nem todas as nações concederam essa possibilidade.
A exemplo dos Estados Unidos, após seu processo abolicionista, a segregação racial era forma de política pública. As “leis Jim Crow”, por exemplo, foram criadas em 1877 e eram leis estaduais criadas por homens brancos e segregacionistas. Consequentemente, os negros norte-americanos foram por muitas vezes privado de acessar direitos básicos como educação, mobilidade urbana, matrimônio inter-racial e voto. Um fruto desse comportamento seria o acesso às universidades onde eram criados centros universitários exclusivo e separados por “raças”. Apenas em 1964 negros e brancos puderam pela primeira vez estudar na mesma instituição de ensino superior, 99 anos após a abolição da escravidão.
Citando países da América Latina, a Argentina, por mais que não tenha tido um histórico muito intenso de tráfico de escravos se comparado com o vizinho português, após o porte de escravos ser considerado ilegal (Oficialmente em 1813, o que não impediu que continuasse por mais 40 anos), o país passou por um processo de branqueamento de sua população. Os ex-escravos argentinos foram esquecidos pelo poder público e se deslocaram para os locais com pior qualidade de vida do país. Muitos não tinham possibilidades de ter um saneamento básico e, consequentemente, de saúde, o que resultou no desaparecimento de uma porcentagem considerável de negros. Outro fator que tem influência direta no baixo índice da população negra no território argentino foi a Guerra do Paraguai, onde os militares mandavam os negros para a guerra com o mínimo de instrução para ficarem na linha de frente do conflito. O resultado desses e de outros acontecimentos reduziram este público para menos de 4% do povo argentino hoje.
Enquanto uns países criavam políticas culturais para separar negros e brancos ou exterminavam seus ex-escravos, outros, antes mesmo da libertação, já se preparavam para manter de seu sistema de concentração de renda, assim como o caso do Brasil.
O Brasil, conhecido por ser o último país a abolir a escravidão (1888), teve uma longa preparação para que os moldes racistas, até então atuais, seguissem da mesma forma. Já em 1850 a Lei de Terras entra em vigor no Brasil, esta lei tinha por finalidade tornar as terras imperiais brasileiras em propriedade privada. Ela por regra dificultava o acesso à terra por parte dos libertos, pois apenas por meio da compra eram feitas estas transações e o elevados preços inviabilizavam de qualquer forma que um alforriado fosse detentor destas terras. Passando para meados de 1870, década de maior incentivo imperial para importação de mão-de-obra, destinadas principalmente para as regiões Sul e Sudeste. Dezoito anos depois, quando a Lei Áurea fosse sancionada no país, o contingente populacional de trabalhadores agora libertos não poderia reverter sua condição de ócio, pois o fluxo de imigração que vinha da Europa e a ausência de políticas públicas seja de inserção à sociedade, seja de condicionamento ao mercado de trabalho, contribuíam para tal situação.
Chegamos então a um último processo de libertação, este de maior escala. Falamos da descolonização da África por parte da Europa no Século XIX. Enquanto falamos sobre os países americanos abolindo a escravidão, a partilha do continente africano pelos europeus, os quais se utilizaram do boçal “Fardo do Homem Branco” afirmando terem a responsabilidade concedida por Deus para “civilizar o resto do mundo”, tinha por real finalidade aumentar seus lucros ao explorar dos países africanos toda a sorte de matéria prima possível para a confecção de suas manufaturas para exportação. Dentro desse “caminho para a civilidade” alguns episódios de violência gratuita foram protagonizados pelos colonizadores. Milhares de mortos foram contabilizados, em especial Congo Belga (que por muito tempo foi conhecido como a fazenda do Rei Leopoldo II) e no norte da África onde núcleos de resistência foram criados e violentamente aniquilados.
A descolonização só vai ganhar força em 1948, após a Segunda Guerra Mundial e vai durar até 1993, quando Eritreia passa a ser o último país africano a se tornar independente. Entretanto, a conquista da independência não foi um capítulo feliz para a história do continente. Ao começar com a partilha errada, nos novos países criados dentro do território africano, havia povos historicamente rivais dentro do mesmo limite territorial. Assim, dentro dessas nações, começaram guerras civis que mobilizam até hoje parte significativa da população. Prova disto são facções armadas de crianças de 6 a 12 anos lideradas por grupos de milícias que tem por objetivo a tomada do poder. Outra mazela deixada de herança pelos seus ex-colonizadores foi a profunda miséria que sofre o continente devido à exploração excessiva dentro da África de maneira insustentável, inviabilizando boa parte de sua capacidade produtiva. Esse último problema acarreta a constatação do continente ser o mais miserável do mundo e campeã quando o assunto são os índices de mortalidade por fome e mortalidade infantil.
Dentre todos os fatos citados e outros não mencionados, fica clara a grande dificuldade de se formar um ciclo de pensadores, sejam da economia, sejam da filosofia, artes ou ciências naturais. Não há como criar maturidade intelectual em sua população se a principal preocupação é a sobrevivência. Não há como chegar nesse fim se não existe incentivo à melhoria da qualidade de vida desses povos. Os liberais do nosso tempo acreditam que a iniciativa privada do exterior conseguirá sanar as mazelas de nações em condições precárias, mas elas não conseguem nem desfazer os males que causaram a todo um continente. É de conhecimento geral que negros e negras estão entre os públicos mais vulneráveis do mundo, mas caiu no esquecimento o motivo dessa vulnerabilidade. E agora, quem paga a conta?
Consequências da ausência de economistas negros na atualidade
De modo a trazer os estudantes brasileiros do curso de Ciências Econômicas como análise, a Folha de São Paulo realizou um estudo com base nos levantamentos do Censo do Ensino Superior realizados pelo INEP em escala nacional, mostram que da totalidade dos formandos do curso de economia em 2018, apenas 30% eram autodeclarados pretos ou pardos. Mesmo com um número relativamente baixo, visto que, segundo o Instituto Brasileiro Gerador de Estatística esta parcela da população ocupa cerca de 56% do contingente populacional brasileiro, ele ainda apresenta uma melhora se comparado com 2013, ano que atingiu 27,1% dos graduandos. Um dos motivos pelos quais é possível justificar este crescimento, seria a política de cotas universitárias adotada em 2012.
Entretanto, o comparativo de alunos negros graduados com os que ingressam no curso ainda é muito baixo, atingindo a marca de 38%. Ao consultar os alunos da graduação, os motivos desse alto índice de evasão, foram citados: matérias as quais requer um alto conhecimento prévio vindo do ensino médio; o perfil mais elitizado do curso, onde prioriza-se no mercado de trabalho aqueles que falam mais de um idioma e têm experiência no exterior; condições precárias de estudo, desde a possibilidade de acesso integral à internet, passando pela obtenção de aparelhos eletrônicos, livros e até mesmo tempo de estudo, visto que parte dos estudantes também trabalham para ajudar nas contas de casa.
Consequentemente, a baixa taxa de formação de negros e negras em uma profissão que tem a possibilidade de mexer diretamente com a formulação de políticas públicas, tem influência direta com a permanência do quadro atual, uma vez que a construção de uma sociedade igualitária só é possível quando é ouvida a voz da totalidade da sua população. Se temos uma sociedade com apenas um grupo decidindo as regras para a totalidade, o caminho para esta igualdade não será encontrado.
Sadie Tanner Mossell: Economista encontrada

Assim como dito no início desta vitrine, o intuito da atividade é apresentar as contribuições de economistas desconhecidos para o pensamento econômico. Sendo assim, ainda que difícil, não deixaríamos de escrever sobre ela: Sadie Tanner Mossell Alexander nasceu em 2 de janeiro de 1898, Filadélfia, na Pensilvânia, filha mais nova de Aaron Albert Mossell e Mary Louise Tanner Mossell. Integrante ilustre de uma família materna também ilustre. Seu pai foi o primeiro afro-americano a se formar em direito na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, seu avô, o bispo Benjamin Tucker Tanner, foi editor do jornal oficial da igreja africana metodista episcopal “Christian Recorder” e de um dos primeiros diários afro-americanos o “AME Church Review”, seu tio Henry Ossawa Tanner foi o famoso pintor do quadro “Nicodemos visitando Jesus”, sua tia Dra. Hallie Tanner Johnson foi uma física e fundadora do Instituto de Enfermagem de Tuskegee Hospital e Escola (Tuskegee Institute’s Nurses’ School & Hospital), seu outro tio foi um físico e cirurgião Dr. Nathan Francis Mossell fundador do hospital Frederick Douglass (agora chamado de Hospital Mercy-Douglass), o outro tio Lewis Baxter Moore foi o reitor da Universidade Howard.
Foi educada na escola M Street High School (atualmente Dunbar High School), em Washington, D.C, onde se formou em 1916, e apesar de ter ganhado uma bolsa de estudos para estudar na Universidade Howard, sua mãe lhe convenceu a estudar na Universidade da Pensilvânia, a mesma que seu pai frequentou, na qual ela ingressou no curso de Economia em 1916.
Formou-se com honrarias sênior e recebeu seu diploma de bacharel em 1918, em 1919 obteve seu diploma de mestrado “Masters in Arts” (M.A) em economia e ganhou uma bolsa de estudos, a Francis Sergeant Pepper Fellowship que lhe permitiu fazer doutorado, também em economia.
Em 1921, começou sua jornada pioneira tornando-se a primeira mulher a obter um diploma de doutorado, com a dissertação “O padrão de vida de cem famílias negras migrantes na Filadélfia”, onde ela estudou as condições de vida e a cultura de cem famílias negras que foram morar na Filadélfia a procura de emprego e melhores condições de vida depois que a população masculina branca foi para a guerra. Tanner trabalhou com este grupo de famílias por dois meses, usando um questionário que continha perguntas objetivas sobre a origem da família, a renda, sobre questões como desemprego, as despesas da casa, o uso de tabaco, o uso de álcool, a poupança, aquecimento e moradia, e descobriu que a maior parte das famílias morava em um local “inapropriado”, onde o aluguel de um quarto, em que o locatário fornecia aquecimento e ventilação, para toda a família era $163 dólares, $6,05 dólares menor que o de aluguel de uma casa de quatro quartos. Analisando os padrões de despesa e consumo das famílias, a economista Dra. Sadie Tanner descobriu que elas diminuíam as despesas com comida, combustível, aluguel e iluminação e aumentava o consumo por artigos diversos quando a renda aumentava, os gastos com vestuário continuavam os mesmos. Ela fez a ligação dessa situação com a segregação e o preconceito racial, pois houve um aumento da população negra na Filadélfia sem que a quantidade de habitações também aumentasse. E além de expor os gastos, ela construiu algumas sugestões de como essas famílias podiam estruturar melhor suas despesas. Por fim, ela expõe que o preconceito racial e a falta de sabedoria dessas famílias era o que as impedia de ter melhores condições de vida, e que a cidade, a igreja e os “homens de negócios negros” é quem poderia assegurá-las melhores condições.
Nesse mesmo ano foi a primeira presidente da fraternidade Delta Sigma Theta, organização fundada por mulheres predominantemente negras do ensino superior que era dedicada a ajudar a comunidade afro-americana, e após ter muita dificuldade em encontrar emprego na Pensilvânia e nas cidades ao redor, conseguiu trabalhar como atuária assistente na companhia de seguros “Mutual Life Insurance Company” em Durham, na Carolina do Norte, até 1923, quando retornou a Pensilvânia para se casar com Raymond Pace Alexander com quem teve duas filhas, Mary Elizabeth Alexander Brown e Rae Pace Alexander-Minter.
Em 1924 ingressou na Faculdade de Direito da Universidade da Pensilvânia, sendo assim a primeira mulher a entrar no curso, e em 1927 se tornou a primeira mulher a se formar nele, a passar no exame da ordem e a atuar como advogada no Estado, entrando para o escritório de advocacia de seu marido em Center City, Filadélfia, onde eles se tornaram um dos primeiros casais a ter uma firma de advocacia, a Alexander&Alexander.
De 1927 a 1931 se tornou a primeira mulher a atuar como advogada assistente, feito que repetiu entre 1936 a 1940. Tornou-se a primeira mulher a atuar como secretária da National Bar Association, uma associação de juristas e advogados predominantemente composta por afro-americanos, entre 1943 a 1947.
Foi membro do Philadelphia Fellowship Commission, uma organização que prestava serviços comunitários para ajudar pessoas de diferentes raças, credos e etnias, entre 1946 a 1965. Nomeada para fazer parte do Comitê de Direitos Civis do Presidente, pelo presidente Harry S. Truman, em 1947, seu relatório de comitê “Para assegurar esses direitos” serviu como base para os movimentos por direitos civis na América e para ajudar nas decisões políticas e legislativas futuras a respeito dos direitos civis.
Foi nomeada como a mulher do ano pela revista em quadrinhos “Heróis Negros” (Negro Heroes), em 1948, publicada pela National Urban League junto com a fraternidade Delta Sigma Theta. Em 1949, presidiu uma comissão da Fellowship Commission feita para ter certeza que a nova escritura da cidade garantiria um tratamento igual e daria oportunidades iguais as pessoas na administração da cidade.
Em 1952, redigiu uma seção na “Home Rule Charter de 1952”, que é um tipo de constituição local que cuida da estrutura de governo e delimita a autoridade local, ela transfere o poder do Estado para o Município para que as necessidades locais sejam supridas e administradas da melhor maneira possível, onde pedia pela criação de uma Comissão de Relações Humanas na Filadélfia. Depois que seu marido se tornou primeiro juiz afro-americano do “Tribunal de Apelações Comuns da Filadélfia”, abriu seu próprio escritório em 1959 dedicado principalmente a questões de divórcio, relações domésticas, adoção, assistência juvenil e trabalho civil. Recebeu seu quinto diploma, um diploma honorário em direito, pela Universidade da Pensilvânia, em 1974, o primeiro de sete, recebidos por ela de muitas universidades norte-americanas. Deixou de advocar ativamente e juntou-se ao escritório de advocacia “Atkinson, Myers and Archie”, em 1976. Foi nomeada, pelo presidente Jimmy Carter, como presidente da conferência do Comitê da Casa Branca sobre o Envelhecimento em 1978, e ficou responsável por atender várias necessidades sociais e econômicas dos idosos. Morreu aos 91, no dia 1 de novembro de 1989, após ter sido reconhecida como uma das principais personalidades da Pensilvânia.
A Dra. Sadie Tanner enfrentou muitas dificuldades e preconceitos na universidade, vindos tanto de seus colegas como de seus professores, assim como depois que ela se formou o que dificultou sua permanência na área econômica, mas ela não perdeu o interesse. Ela foi uma pioneira alcançando tantas coisas sendo negra e mulher numa sociedade que ainda não estava preparada para recebê-la de braços abertos, mas isso não a parou:
“Eu nunca esperei que alguém abrisse a porta para mim. Disse Alexander. “Eu sabia bem que o único jeito de abrir aquela porta seria derrubando-a: Porque eu derrubei a todas elas”. (“I never looked for anybody to hold the door open for me,” Alexander said. “I knew well that the only way I could get that door open was to knock it down: because I knocked all of them down.”) -- Sadie Tanner Mossell Alexander.
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